quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Um projeto para dar errado

Ofélia olhou pela janela de sua sala e viu que atravessando a parede havia um muro com arame farpado em cima dele. Pensou quantas paredes existiam ali para proteção, interrupção, contenção e controle. Quanta estagnação essas paredes geravam, como a enclausuravam, a desesperava e a machucava. Sentou no chão, embaixo da janela e sentiu a rigidez daquela parede que a segurava, pensou nela todas a situações que a imobilizava, pensou nas pessoas como paredes. Nas críticas, críticas, críticas que lhe adentravam a alma, que entravam pela sua boca e até o estômago e ali ficavam, pesando lá dentro.
Por cima do muro podia ver as pessoas que passavam na rua, essas pessoas não viam ela, não se comunicava com ela, esse muro bloqueava o contato. Ela gostava muito de andar em pontes, sejam que passem por rios ou por estradas, aquelas que têm peitoril vazado, que dão medo mas lhe possibilitam se conectar com o vazio. Nas pontes as pessoas se conectam, muitas vezes nos deparamos com uma pessoa vindo no sentido contrário, que divide conosco uma passagem estreita, que nos troca olhares, nos sorri, nos ignora.
Se lançou a um plano, uma vontade, um desejo que não tivesse sucesso. Queria algo não terminado por que estava com medo do sucesso. Decidiu pintar um quadro, de um muro, mal sabia pintar. Começou uma parte e parou, deixou jogado no seu quarto. Um dia colocou na frente da sua casa para que jogassem no lixo ou alguém o levasse; no outro dia não estava mais lá. Talvez tivera sucesso, alguém tivesse gostado ou apenas aproveitasse para reciclar o material. Viu que pintar não era para ela ou simplesmente não queria.
Começou então a montar um jardim no fundo de sua casa. Como tinha como objetivo errar, não se preocupou com nada e plantou alguns tipos de flores e plantas, sem ao menos saber como deveria proceder. Ao fim de alguns meses se dedicou as plantas que sobreviveram, foram poucas, mas pelo menos tinha algo para cuidar. Continuou cuidando mais ou menos daquele jardim, até que ficou bom, mas sem mais preocupações de errar ou acertar.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Garota inglesa

Aquele menino jogava pedras na árvore na tentativa de conseguir degustar algumas amoras que tivesse a sorte de apanhar. Ele e outros garotos faziam isso no intervalo da escola, isto lhe rendia como preço algumas manchas vermelhas em sua camiseta branca de uniforme escolar. Embora todas as amoras fossem doces, sempre haveria uma esperança que a próxima teria o melhor sabor que pudesse experimentar. Por vezes era difícil de perceber a fruta pendurada nos galhos, pois naquele horário do dia fazia sol e lhe ofuscava a visão. Mesmo assim o sabor de uma amora doce lhe era recompensador.
- Sabe Hugo, outro dia vi um filme de uma garota que morava em numa casa muito rica na Inglaterra e fugia de lá em busca de um rapaz que se apaixonara, mas se arrependia e acabava trabalhando para se manter até que descobrisse o verdadeiro amor.
- Mas quem iria largar uma família para ter que trabalhar para sobreviver?
- Bem, eu me pergunto se isso seria mesmo possível.
Bem, naquela época grandes questões não lhe ocupavam muito a mente pois eles tinham outros planos para o dia como escalar árvores, apostar corridas e observar os insetos.
Foi embora, no caminho de casa observava o batalhão da polícia que próximo a sua escola. Tinha certo fascínio por policiais e soldados, acho que seria aquela visão de infância que comparava uniformes as super-heróis. Passou na loja de doces e comprou chocolates e algumas balas, naquela época os doces eram realmente baratos. Chegou em casa e comeu seu almoço e depois ficou deitado olhando pela janela onde via o céu alguns aviões passarem. Na televisão passava o telejornal onde nenhuma notícia lhe tirara a atenção.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Peixes 2 - Portugal

- Você está muito bonita Bárbara.
- Obrigada. Aliás, preciso comprar umas roupas novas, acho que estou há umas três coleções atrasadas.
- Você segue essas coisas?
- Não. - riu.
Ela tinha acabado de chegar a escola que dava aula, um pouco cansada pois teve que caminhar uns vintes minutos da sua casa. Havia dormido tarde pois recebera algumas amigas em casa e depois disso ainda preparou algumas coisas para aula. Esperava por uma mais aula desgastante. Não que não gostasse de dar aula, mas também não podia negar que as coisas fossem melhores um pouco. Entrou na sala observou os alunos e começou a preparar seu material enquanto esperava que as crianças começassem a se aquietar. Era sempre essa rotina, sabia que sempre tinha que dar um grito ou outro para fazer com que eles sossegassem.
- Professora, tinha alguma tarefa para hoje pois eu acabei me esquecendo.
- Bem, tinha, mas não tem problema.
A velhas desculpas de seus alunos, por melhores que fossem as suas notas sempre tinha uma desculpa na ponta de língua. A aula correu sem muitas emoções. Cumpriu seu dever em ensinar-lhe algo sobre matemática e ciências. Também fora bem sucedida em não entediá-los muito. Sabia que aula não era a coisa mais legal do mundo, pois pensava se até muitas vezes não queria estar naquela sala, imagine os alunos. Mas algumas vezes na cara de seus alunos uma alegria de estar ali.
- Alunos, já estão dispensados.
Os alunos foram saindo aos poucos, uns mais rápidos outros permaneceram mais tempo na sala. Ela em poucos minutos já estava em seu caminho para casa. Decidiu tomar o caminho mais longo na tentativa de ver algo diferente pelas ruas. Passou pela feira e comprou um pastel pois não estava como a mínima paciência para preparar algo para comer. Chegou em casa, seu gato recebera. Ela adotou esse gato de tanto ele ficar na sua porta pedindo comida. Mas por incrível que pareça no meio de tantas outras pessoas, talvez o gato tenha adotado a ela.

terça-feira, 8 de março de 2016

Peixes

- Olá senhor, porque tocar sempre esta música?
- Porque é a que eu sei tocar melhor e a que o povo mais pede.
- Mas é a que mais gosta?
- Não, você gosta?
- Não.
- De qual você gosta?
- Eu gosto de Beatles.
- Bem mais sempre você ouve Beatles?
- Ultimamente não, ouvia mais.
- Bem, então não quer que eu toque alguma outra?
- Mas que Beatles é algo que sei que gosto.
- E poderia ouvir algo novo também.
- Tudo bem, então toque alguma música.
- Bem, vou tocar uma que compus sobre a minha infância.
...
- Interessante, podia tocar essa mais vezes.
- É que as pessoas não gostam muito de ouvir coisas novas.
- É mesmo, parece que tudo é sempre a mesma coisa.
- Por melhor que a seja, algo que seja bastante repetido tende a incomodar.
- Porém nem sempre é preciso mudar, talvez se reinventar.
- Pois é, até porque nos faz bem carregar algo familiar.
- Pensando bem acho que as pessoas gostem de ouvir essa música que você toca porque lembra algo familiar.
- Pode ser, as músicas mais populares unem as pessoas de uma certa maneira.
- Sim, refletem também algo ultrapassado.
- Alguns chama de clássicos.
- Talvez eu só entenda isso quando estiver mais velho.
- Bem, Beatles é uma banda bem antiga, não é?
- É um clássico, não é.
- Talvez você ainda goste dessa música.
- Pelo menos irei lembrar desse momento.
- Boa sorte.
- Continue a animar as pessoas com sua música, bom dia.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Como fazer você mesmo

Este é um pequeno relato sobre a história de Johnny, um morador de uma cidade pequenina na região montanhosa mineira. Desde criança morava ele, sua mãe e um cachorro numa casa pequena próximo ao bosque da cidade. Ele era um garoto curioso e adorava ver as formigas no jardim ocupadas nos seus afazeres diários. Também ficava por muito tempo observando as plantas e imaginando o que elas estariam pensando. Gostava de fazer experimentos com fermento de bolo, adicionando água e vendo a reação que acontecia, ou seja, era fascinado pelos fatos da natureza.
Estava um dia em sua casa e havia algumas visitas que ele não conhecia.
- O que pretende fazer quando crescer? - perguntou a moça curiosa.
- Gostaria de ser um astrônomo. - respondeu ele de forma apaixonada.
- Mas você não quer ganhar dinheiro? - indagou a moça supresa.
Mal sabia essa moça que astrônomos ganham muito bem e muitos menos que ele não seria astrônomo. Como gostava da natureza mitas vezes ficava até tarde no bosque. Imaginava que estava numa floresta bm longe da civilização, que conseguiria viver ali com o mínimo de tecnologia possível.
A medida que envelhecia ia afastando desse seu lado mais selvagem e ia para um estilo mais urbano. Porém certa vez quando acampava com seus amigos se perdeu do grupo. Ficou isolado numa parte distante duma floresta real sem saber o que fazer. Era seu sonho que agora podia ser um pesadelo. Acho um local local que pensou ser seguro para dormir, de certa maneira estava com medo, não sabia do que e era exatamente esse o problema: o que poderia acontecer? A medida que ia adormecendo esqueceu seus medos e pensou na sensação daquela solidão que fazia lembrar da sua infância e da fascinação pelo universo e aquela era uma ótima sensação. Imaginou que ficaria ali por muito e ja pensava o que poderia conseguir para comer naquele local.
Ele nunca pensaria que seus amigos o achariam tão rápido, mesmo que tenha sido ao amanhecer. Ele estava feliz por estar a salvo mas uma certa tristeza havia como se sentisse que deixasse sua verdadeira casa.
Que bom ver vocês. - disse ele com um meio sorriso.
Bem, sorte sua termos achado você pois aqui é bem perigoso. - disse o chefe da excursão.
Prometo tomar mais cuidado. - respondeu ele obviamente.
Vamos embora? - indagou um de seus amigos.
É, vamos. - disse ele pensando que de alguma maneira levaria algo dali.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Assim como Machado de Assis

-Boa noite.
Disse o senhor que se aproximava do guichê, possivelmente com objetivo de comprar bilhetes para o próximo trem. Ele vestia um sobretudo preto até o pé onde dava para ver a ponta dos seus sapatos igualmente pretos. Na mão carregava uma mala marrom que parecia estar muito pesada a ver pela sua postura corporal. Por debaixo do sobretudo era possível perceber que havia um elegante terno e na cabeça um chapéu. Esta noite estava fria e havia uma névoa que dificultava a visualizar o redor da estação. Poucas pessoas pegavam o trem da meia-noite, normalmente as que estavam atrasadas para algum compromisso para o dia de amanhã.
-Boa noite, lhe aviso que há somente bilhetes para a cidade vizinha, onde amanhã de manhã você possa pegar o trem para locais mais distantes.
O moço ficou a olhar fixamente para o bilheteiro enquanto pensava se valia a pena partir agora. Visto que não tinha para onde ir pensou em seguir seu caminho. Ele ainda teria muito tempo de viagem até chegar ao seu destino. Essa névoa representava bem sua sensação sobre o futuro, sabia que estava próximo de seus objetivos mas não podia enxergá-los bem.
-Vou nesse mesmo senhor.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Clarete

Clarete chegou cansada a sua casa. Esquentou um chá e bebeu enquanto comia algumas bolachas. Trocou de roupa e ficou de meia sentada no sofá assistindo Friends. De repente pensou e foi a casa do seu vizinho:
- Boa noite. - disse ela sorrindo.
- Boa noite. - respondeu ele.
- Está ocupado? - como ela viu que ele não respondia ela já foi entrando.
- Bem, é que eu já ia dormir. - recuou ele.
- Como assim? - disse ela.
- É, então, eu ia dormir, sabe não tenho dormido muito bem esses dias e decidi dormir mais cedo. - explicou ele meio cauteloso.
- Eu não entendo, quando estou cansada do trabalho, depois fazer hora extra, chego meia noite em casa e você me chama para vir aqui. Eu venho volto tarde e acabo indo dormir lá pelas duas horas da madrugada. - ela retrucou impulsivamente.
- Mas você está com algum problema? - olhou-a fixamente.
- É... não. - disse meio contrariada.
- Hummm. - murmurou ele sentando no sofá.
- Nossa, esqueci algo no fogo. - gritou ela ao mesmo tempo que saia correndo pela e não voltou mais aquela noite ao apartamento do seu vizinho.
Talvez sua verdadeira necessidade era dizer algo áspero a ele e extrair alguma verdade dele ou de si mesmo. Porém, só conseguiu um motivo para ir dormir cedo também.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Depois de zerar games e escrever romances


Estefan passou todo ano jogando videogame entre suas atividades do dia a dia. Mesmo lhe faltando tempo para suas obrigações, ele reservava momentos para o lazer digital. Fazendo que ficasse cada vez mais obcecado em passar por todas aquelas fases surreais de um jogo sem sentido algum. De certa forma, cada ponto ganho lhe trazia uma esperança, uma motivação para continuar jogando, uma motivação para acordar de manhã com ânimo para trabalhar. É surpreendente, pois aquilo que depois que cumprisse não lhe traria nenhum benefício material, aliás ele mais perdia ao tempo e dinheiro do que ganhava. Mas ganhava em bem-estar e em tranquilidade. O jogo cotidiano ainda lhe trazia um convite a sociabilidade que era pouca para ele, pois era muito reservado. Embora ele não ligasse muito em compartilhar seus feitos, isso acabava acontecendo naturalmente como parte do processo de se jogar, as vezes era útil para conseguir alguma dica de como passar aquela fase que parecia impossível. Tampouco ele gostava de jogos online onde podia conviver com pessoas a todo momento digitalmente falando.
De fato, videogame não era um meio e sim um fim. Porém, talvez isso fosse mais para sua cabeça, porque sabia que jogando vivia um mundo paralelo a de sua rotina de professor de informática. Embora seu trabalho fosse também relacionado ao mundo digital, lhe dava pouco prazer, mas era o que sabia fazer bem, ensinar as pessoas a viverem nas redes nos bits. Por vezes, encontrava alguém com as mesmas habilidades que as suas e trocava alguns momentos de conversas sobre como era emocionante a solidão conjunta a eletrônicos. Nessa sociedade dos jogos também havia mulheres, algumas com as quais se relacionou, pensava que muito provável iria casar com uma jogadora. Sempre acontecia uma paixão de verão pela cosplay do último que evento que fora para comprar aqueles jogos raros. Não via nada demais nos eventos que frequentava como alguns adolescentes os viam.
Bem, agora estava pensando em prestar uma graduação. Nesta época da sua vida os jogos o interessava menos. Procurava um desafio maior para si mesmo. Através dos sites com que compartilhava informações com outros jogadores, se interessou pelo estilo de jogo RPG, no qual as pessoas desempenhavam uma função no jogo, vivia o personagem. Esse possível jogar RPG tanto com tabuleiro tanto pela internet. Assim, começou as escrever pequenas ficções para basear os jogos. Agora precisava se reunir com os jogadores frequentemente, as vezes pessoalmente e outros online. O ambiente desses jogos em sua maioria eram vilas medievais com alguns elementos fantasiosos de mitologias antigas. Por mais que a maior inspiração para criação dessas histórias fosse o conhecimento de lendas e livros antigos, uma coisa o interessava cada veze mais e era constante fonte de inspiração. A medida que foi convivendo com as pessoas dentro desses jogos e na faculdade, foi acrescentando em suas estórias parte da personalidade das pessoas que conhecia. Assim começou a reparar nos hábitos até de desconhecidos. As suas ficções estavam além do que necessitava seus jogos e não sabia mais o que fazer com elas, através de sua faculdade de jornalismo viu que podia se tornar um escritor.
Sua vida agora tinha vários possíveis caminhos a seguir, mas alguns destes em direções opostas. Pelo haveria de tomar algumas decisões difíceis e conciliar atividades e pessoas divergentes. Começou a namorar uma garota do teatro que se encantava com as suas criações, porém não gostava nada do mundo digital. Ele, por mais que tenha mudado, ainda não gostava do palco e nem da exposição excessiva. Esse romance estava para se tornar uma grande sociedade com benefícios mútuos, e com possíveis conflitos entre os dois também. Percebia agora que a vida o levava para um caminho de realizações, ainda que estas vinham com a necessidade de abandonar conquistar passadas. Não sabia se isso era uma evolução ou uma metamorfose. Neste momento ele precisava de balancear as coisas, e decidiu que passaria certa parte do seu tempo desligado do mundo para deixar o mundo agir nele mesmo, perdendo o controle da sua vida e apreciar um pouco da viagem que estava fazendo.